Turista Acidental
Eu sei que o título talvez não seja original, mas foi de facto o que me aconteceu hoje, sem estar à espera…
Depois de várias críticas do meu querido amigo e colega aqui do “Coisas Boas em Alta“, Miguel Peixoto, de que não me “mexo”, hoje resolvi contrariar a sua teoria, e saí de casa para beber um café e acabei por ser mesmo um “Turista Acidental” na minha cidade.
Ora saído de casa a pé, o meu destino era o Café Quinta das Conchas, sito no Jardim da Quinta das Conchas, onde julgara haver umas magníficas espreguiçadeiras onde podíamos ler o jornal e desfrutar dum banho de Sol, enquanto bebíamos um café e uma água.
Puro engano… o café está lá, mas as espreguiçadeiras já não, o que é uma pena!
(senhores do café, vamos lá voltar a colocar as ditas cujas, que fazem falta aos preguiçosos como eu!))
Mas já estiveram:
Aqui está a prova!
Café tomado, ainda era cedo, onde ir?
Resolvi ir sem destino, e “sempre em frente”…
Alguns metros mais à frente, uma estação de metro com o mesmo nome: Quinta das Conchas… bora lá entrar!!
Passada a dificuldade em adquirir bilhete (mas consegui, sozinho!), comprei o cartão Viva e o respetivo bilhete, para onde: Vamos ver…
Preço bilhete: 1,50+0,50 (cartão viva)
Entrei no primeiro que me apareceu e deixei-me ir… até… ao Marquês de Pombal.
Ora vamos lá então descer a nossa Avenida da Liberdade (os nossos Champs Elysses) a pé…até ao Rio (não o de Janeiro, mas o nosso Tejo).
Mal saí da estação do Metro, deparo-me com o imponente e histórico edifício do Diário de Notícias, esse que foi uma das escolas mais importantes do jornalismo luso, onde durante décadas passaram os maiores/melhores jornalistas do nosso burgo.
Infelizmente hoje já lá não estão, mas sim uns apartamentos acessíveis a muito poucos, ao contrário do Diário de Notícias que sempre foi acessível a qualquer pessoa.
Avenida da Liberdade abaixo, a próxima paragem foi o Cinema São Jorge, onde durante a minha juventude (sim, já fui!) vi tantos e tantos filmes, assim como no seu vizinho Tivoli…
Mais uns passos e logo nos deparamos com o Parque Mayer (a Broadway portuguesa), ou melhor o que resta dele e dos seus tempos áureos, onde um Empresário continua a resistir qual aldeia dos gauleses, dos famosos livros do Astérix. Falo do Hélder Freire Costa e do seu Teatro Maria Vitória, que vai estrear em breve uma nova revista. Que tenha sorte!
Este folhetim do Parque Mayer deve encher-nos a todos de vergonha, Câmara Municipal de Lisboa e Governo Central.
Já agora acrescento os terrenos da antiga Feira Popular, outra vergonha… enfim!
Como tristezas não pagam dividas, bora lá continuar avenida abaixo, tal qual as marchas populares em Junho.
Próxima paragem…
Uma simpática jovem a conduzir um não menos bonito carro para transporte de turistas na nossa bonita cidade (um dia vou!)
Continuando a descer a avenida o imponente Hotel Avenida Palace, que mantém intacta a sua traça desde que foi construído entre 1890 e 1892, e que já serviu de abrigo a agentes secretos durante a Segunda Guerra Mundial.
Praticamente já com um pé na belíssima Praça D. Pedro IV, mais conhecido por Rossio, não poderia deixar de espreitar a minha loja preferida nesta Praça, nada mais nada menos do que a Chapelaria Azevedo Rua, fundada em 1886.
Quantos chapéus não terão já vendidos!?
Sim, chapéus há muitos!!
Felizmente a minha genética ainda me permite andar sem chapéu, um dia que haja necessidade será aqui que comprarei os meus chapéus.
E não foi preciso andar muito para me deparar com um ex-libris do Rossio, a famosa Ginjinha. Não parei porque ainda não tinha almoçado e podia cair-me mal…
Nesta altura a fome já apertava e onde ir comer qualquer coisa leve, mas reconfortante ao mesmo tempo.
Resolvi ir às melhores bifanas de Lisboa, segundo os especialistas, ao Bifanas do Afonso.
Bifana no pão, copo de vinho branco gelado de nome Taveira (tanto que se poderia divagar sobre este assunto, e tantas frases publicitárias que se poderiam criar…)
Estômago reconfortado, e gasto de 3,50€.
Depois da subida da Rua da Madalena, agora era sempre a descer, o que dava uma certa ajuda, sobretudo com o calor que se fazia sentir a esta hora (32ºC) na capital.
Vamos lá então em direção ao “fresco”, que é como quem diz, em direção ao belo Rio Tejo.
Pelo caminho e passando debaixo dos arcos da famosa Praça do Comércio, deparei-me com um Centro Interpretativo do Bacalhau.
Nem imaginava que existia, sabia da existência do Rei do Bacalhau, da Laurentina, da Casa do Bacalhau, e até da Marítima de Xabregas, mas nestes locais a “interpretação” era outra…
Confesso que nem entrei, senão era capaz de sair de lá com um bacalhau às costas, tal como os guitarristas de fado, quando saem das Casas de Fado, aqui na vizinha Alfama.
Continuando em direção ao Rio, a fim de receber uma pequena aragem fresca, para que não dissesse mal à minha vida com a mania de que tenho de andar a pé.
Pequena pausa ao pé do Rio a olhar para aquelas águas que sempre me fascinaram desde que era criança, e a recordar algumas memórias dessa mesma infância.
De repente, olho em frente e deparo-me com uma caravela portuguesa… não, não é daqueles que faz comichão e às vezes muitas dores nas pernas, quando lhes tocamos por descuido na praia. Olho fixamente e interrogo-me: – Será o Vasco da Gama, será que voltou?
Mas a aventura ainda não terminara aqui… olhando para o lado esquerdo de quem está virado para o Tejo, a “nova” estação fluvial, que foi recuperada, e que bem… vejam por si…
Nesta estação apenas se apanham barcos turísticos que sobem e descem o Tejo, para todos os preços e todas as bolsas.
Mas já que aventura, é aventura, é levá-la até ao fim, e resolvi entrar na estação ao lado, esta sim, com carreiras regulares.
E agora vou confessar uma coisa, cheguei perto da máquina e comprei dois bilhetes, ida e volta, mas sinceramente não fazia ideia para onde iria, tanto podia ir para o Seixal, Trafaria ou África do Sul.
Lá saíram os bilhetes e fui em direção aos barcos, sem saber para onde iria…
Já sentado no barco, percebi que ia para montante e portanto, poderia ir para Seixal, Barreiro ou para Espanha (onde nasce este “nosso” Rio).
Depois lá percebi que estava nos “novos” catamarans da Soflusa, e que nunca tinha andado num… que fixe!
(É que apesar de andar sempre de carro, adoro transportes, sobretudo ferroviários, marítimos e aéreos)
Muito confortáveis, rápidos e cómodos a viagem durou cerca de 20 minutos, de pura diversão.
Chegados ao Barreiro, parecia que tinha chegado a Marrocos, tal o estado de abandono que nos deparamos quando saímos de estação fluvial.
Caminhei para o lado da antiga estação e antiga ligação aos comboios para o sul do País (a travessia pela Ponte 25 de Abril, ainda era uma miragem, apesar desta estar praticamente preparada para receber comboios desde a sua construção).
E aqui sim, com uma paisagem natural muito agradável, a antiga estação de embarque, apesar de abandonada ainda lá está, com lojas ao abandono (não sei de quem será a responsabilidade, se da Câmara Municipal do Barreiro, se da CP, se da Soflusa, ou mesmo do Porto de Lisboa.
Alguma destas entidades é responsável pela vergonha que ali se vê.
Outra vergonha é a forma como está abandonada a antiga estação da CP (abandonada, mas com as luzes acesas em pleno dia, como se pode ver pelas fotos)
Meus amigos, vamos a recuperar aquele edifício lindíssimo à beira-rio e construir uma zona de restauração e lojas, para dar vida aquele lugar abençoado pela natureza.
Bebido o tradicional café na estação, eis que se faz a viagem em sentido contrário, desta vez no Jorge de Sena, já que para cá tinha vindo no Gil Vicente.
Desembarque na estação e ala a pé para a mais famosa rua da baixa lisboeta, a Rua Augusta.
Para além de alguns turistas (poucos, muito poucos) o que mais se vê são lojas de “Natas”, depois do apelo do Ministro Álvaro Santos Pereira, para a exportação deste mesmo produto, e também as lojas com pastéis de bacalhau com queijo da serra.
Em resumo, estragaram os pastéis de bacalhau e o queijo da serra, enfim…
Outra coisa que ainda se mantém, são alguns senhores, nas principais esquinas desta mesma rua a oferecer “Cachuchos” em ouro, que de ouro só tem a côr, e também as drogas que quiseres… estes estão lá sempre.
Mas também fui surpreendido por uma jovem, simpática e com muito bom aspeto, que olhando para mim, viu de certeza um possível consumidor e ofereceu-me este folheto.
Não fui desta vez, mas numa próxima visita, com certeza.
Para terminar esta aventura e porque as pernas já pesavam, resolvi meter-me no metro, e iria sair em Alvalade, já que mesmo à saída tem o Cinema Alvalade, e era onde pretendia passar o resto da tarde a ver um filme, no conforto do ar condicionado, já que estavam 34 graus naquela zona.
Infelizmente o mesmo encontrava-se fechado, porventura abriria mais tarde.
Já que ali estava, não podia ir de mãos a abanar, e fui à Gleba, onde há um pão de fermentação lenta que é mesmo muito bom.
Para terminar esta aventura, já me doía tudo e resolvi terminar esta aventura de UBER.
Digam lá que não podemos “turistar” mesmo na nossa cidade?
É que “ela” é linda e vale a pena ser apreciada.
Sejam felizes…
Adorei a descrição, tal como a passeata. Eu sou um indefetível enamorado de Lisboa. Nela nasci, há muitos anos, diga-se, embora por comodidade viva atualmente nos arredores, muito próximos desta e tenho, no entanto e ainda, casa em Lisboa. A minha vida, desde que nasci, é feita geralmente em Lisboa e portanto, sou um lisboeta dos sete costados. Lisboa tem tudo, praia, rio, frio (às vezes neva), quente que se refresca com gelados, chuva, sol (maravilhoso), bons miradouros, jardins, esplanadas e nalguns locais ainda há carreiras de elétricos. Mas há muitos outros transportes para quem quer “turistar”. Gostei do que escreveu e não foi porque falou de mim e do Parque Mayer, foi pelo carinho com que fez a sua descrição, nela contida um certo amor pela minha (nossa) Lisboa. OBRIGADO. Grande abraço.
Hélder Freire Costa
2021.07.19
Meu caro Hélder Freire Costa, agradeço a atenção que prestou ao ler um artigo, saído duma passeata acidental pela nossa Lisboa. É claro que Lisboa é indissociável do “seu” Parque Mayer, que lhe deve muito, pela sua resiliência, enquanto “único” empresário de Teatro de Revista. Se não fosse o seu esforço e até teimosia, provavelmente o Parque já não existiria. Provavelmente seria uma Chinatown á portuguesa. Enquanto lisboeta e português, ficar-lhe-ei eternamente agradecido por ainda manter viva a memória de Grandes Actores e Actrizes que por aí passaram e farão parte da história do Teatro de Revista. Infelizmente não sou desse tempo, mas ouvindo as memórias de quem os viveu, devem ter sido tempos maravilhosos e áureos. A minha primeira revista no Parque Mayer, foi o Lugar aos novos”, de onde despontaram nomes como Fernando Mendes, Marina Mota, Carlos Cunha, o saudoso Carlos Ivo, Cristina Areia, etc. Este gosto pela revista deve-se ao nosso comum amigo Ruy Castelar, que foi quem me transmitiu o amor por uma coisa que não vivi. Daí para cá, sempre que possível acompanho as suas revistas e o seu trabalho. Grande Abraço! Mário Marques