“A Templária” de Maria João Fialho Gouveia
Foi num inicio de tarde que conversamos com Maria João Fialho Gouveia.
Foi jornalista durante muitos anos
Tem já 10 livro publicados.
Filha de uma dos maiores homens da comunicação em Portugal, José Fialho Gouveia.
Agora chega mais um livro ao mercado “A Templária” , razão mais que suficiente para esta agradável conversa.
Consegues definir o teu estilo de escrita?
Penso que posso dizer que o meu estilo de escrita é uma prosa algo poética.
Tenho uma linguagem simples e acessível a todos. Contudo, é bastante adjetivada, descritiva e sentimental, uma vez que a minha obra é maioritariamente feita de romances históricos.
Quando descrevo um lugar ou uma paisagem, tento ser o mais precisa possível, de forma que através das minhas palavras os leitores possam visualizar aquilo de que falo – um pouco como fazemos na rádio, em que a nossa voz transmite imagens, cores, cheiros e sabores.
Quanto aos diálogos que escrevo, procuro que sejam “faláveis”, plausíveis. Tudo isto tendo em conta a linguagem da época que retrato, a qual suavizo, para não se tornar demasiado pesada e difícil de entender.
Tens uma grande paixão por história?
Imensa! Uma herança da minha mãe, que era uma grande apaixonada pela história. Por isso mesmo as nossas viagens, quer dentro, quer fora do país, eram sempre para destinos culturais.
Sempre partilhámos aquele amor pelas pedras, pelos monumentos e pelos demais vestígios históricos, que em si encerram episódios de outras eras. Passávamos horas a fio a falar das histórias da história e da vida dos seus protagonistas e tínhamos em Itália o nosso destino de eleição.
Sempre que visito um lugar como, por exemplo, um castelo ou um palácio, gosto de tentar visualizar s suas pedras ainda claras; de escutar as vestes antigas a roçar naqueles chãos; e de imaginar as falas de quem por ali passou em tempos idos.
De certa forma, deixo-me transportar para o passado e é essa viagem a diferentes épocas que convido os meus leitores a empreender comigo.
Estes teus romances implicam uma grande investigação?
Sem dúvida. Para escrever um romance histórico, compro uns quinze livros, que me servirão de fonte. Isto, para além dos outros sobre o mesmo tema que eu já tenha em casa e das obras e documentos que hei-de consultar nas bibliotecas públicas.
É muito trabalhoso, mas dá-me um prazer indescritível; não só porque me ajuda a ser o mais fiel possível à verdade histórica, como me permite também aprender factos, histórias e até curiosidades e segredos.
A minha pesquisa para o livro Inês (sobre Inês de Castro), por exemplo, trouxe-me revelações inesperadas, tais como a descrição do Paço da Rainha Santa, em Coimbra, hoje em ruínas, feita por um historiador do século XV (contemporâneo do rei D. Duarte).
Na sua narrativa o escritor explica que naquele palácio as águas desciam dos altos muros, o que me deixou intrigada. Qual não foi o meu espanto quando, ao revistar a Fonte dos Amores, me apercebi de que o cano de água potável, coberto por uma abóbada, que dali saía, fazia o seu percurso até ao topo do único troço dos muros que ainda permanece intacto.
O que confirma que a água descia de facto das muralhas que envolviam o palácio de D. Isabel de Aragão e o Convento de Santa Clara-a-Velha.
Já na minha consulta de outros livros e documentos sobre D. Carlos I, descobri que ele tinha uma predilecção por espanholas e que teve uma amante no Monte Estoril, onde situei a protagonista do meu livro O Primeiro Amor de D. Carlos.
Agora surge “A Templária” Que livro é este?
“A Templária” é fruto da minha profunda admiração pelos cavaleiros templários e pela ideologia cavaleiresca. A temática desta ordem militar e religiosa está envolta em mistério, mística e secretismo, o que é deveras apaixonante; nomeadamente os nove números sagrados.
Tenho particular predilecção pelo número oito, que deitado é símbolo do infinito.
Qual a importância de Policena?
A Policena de Eiravedra é a protagonista.
Uma menina que foi criada pelo pai como se fosse um rapaz.
Ele ficara viúvo muito cedo e educou-a aos demais filhos homens, ensinando-a a ler, a escrever e a manejar armas.
A menina acalentava o sonho de poder estudar e de ser cavaleiro templário, apesar de saber que tal era vedado às mulheres. Contudo, quando com apenas 11 anos se vê órfã de pai e mãe, Policena disfarça-se com os trajos de noviço templário do seu irmão mais novo e dirige-se à torre templária de Dornes, que acaba por aceitá-la no seu seio, julgando-a um rapazinho.
É assim que o improvável sucede: Policena cresce e estuda em castelos templários, vindo a ser armada cavaleiro.
Na Idade Média as mulheres eram submissas aos pais, aos irmãos e finalmente aos maridos. Poucas eram as que sabiam ler e escrever. Todavia, a algumas nobres, por necessidade de substituírem os maridos na gestão do seu património durante as ausências dos mesmos (por motivos bélicos ou de negócios), era dado aprender letras.
Prosseguir os estudos, no entanto, não lhes era consentido. Portanto, Policena é uma mulher emancipada, no mundo de homens.
Como foi que tropeçaste na história desta mulher?
Policena é uma personagem fictícia, tal como a maior parte dos demais protagonistas desta história. Contudo, o enquadramento histórico é verídico: a época, os acontecimentos, a mentalidade, os usos e costumes, o que se cultivava então, os trajos, os lugares.
Tudo foi estudado ao detalhe, desde o dia-a-dia na Idade Média, aos meandros do amor medieval.
Há também vários personagens reais, como é o caso de certos nobres, de um trovador e do rei D. Dinis.
Não posso dizer que tropecei na Policena porque ela não é verdadeira.
No entanto, ela encarna os desejos de muitas mulheres da sua época, pelo que é provável que tenha havido várias Policenas; pelo menos no que à vontade de estudar concerne.
Quais são as inquietações que queres mostrar com este livro?
Este livro permitiu-me fazer introspecções e viagens ao fundo da alma da protagonista, como se de mim própria se tratasse. Nela espelhei situações que eu vivenciei, como foi o caso da morte do meu pai.
Quando ele partiu, eu isolei-me para chorar a minha dor. Não me apetecia estar com ninguém, a não ser com a minha mãe. Tal como Policena, após o adeus ao pai, senti necessidade dos meus silêncios. É uma experiência interior, no labirinto da alma, que procura a cura, mas só traz mais dor. Tanto eu como Policena tivemos de lutar para sair deste estado de inquietação e para nos reconciliarmos com a vida.
Há aqui uma mulher que consegue viver num mundo de homens!
É verdade. Um mundo hermético, cheio de restrições e em que poucas liberdades eram consentidas. Com dissimilação do cristianismo e a queda de Roma, a religião traz consigo o conceito do pecado, em resposta à libertinagem dos costumes do Império Romano.
À semelhança das outras religiões monoteístas, a Igreja assume uma atitude discriminatória em relação à mulher e condena os relacionamentos carnais.
A mulher é praticamente demonizada, salvo Maria, mãe de Jesus, que era tida como a única mulher perfeita e exemplar. Esta postura revela um certo medo da importância que as mulheres pudessem alcançar na sociedade, encontrando, assim, uma forma de as controlar. Uma realidade bem diferente da civilização etrusca, precedente da romana, em que as mulheres tinham um papel preponderante e grande liberdade de acção.
As mulheres continuam a ser discriminadas?
De certa forma, sim. Mesmo no Ocidente. Enquanto houver desigualdade de salários entre os homens e as mulheres, os países não são democracias cumpridas, pois a mera existência de tal diferença parece definir cidadãos de primeira e cidadãos de segunda.
A par desta realidade social, em muitos persiste ainda uma misoginia encapotada, que transparece em certos comentários sexistas (alguns até ofensivos), em faltas de respeito e até em atitudes no trânsito.
Já em muitos países do Oriente, por questões religiosas, a mulher continua a ser oprimida e a viver desprovida de quaisquer direitos.
No fundo, a necessidade que essas sociedades sentem de rebaixar as mulheres, revelam o medo que delas têm.
Eu sonho com a utopia do dia em que as pessoas consigam ver no outro, independentemente do género e da cor, um ser igual a si.
Como eram vistas a mulheres na época do livro?
Na Idade Média as mulheres eram criadas para vir a ser filhas, esposas e mães, sempre dentro da moral cristã. Na Alta Idade Média, que vai do século XI ao século XV, já se nota uma ligeira evolução, com as mulheres nobres a administrarem as suas propriedades na ausência dos maridos; ora, para tal, tinham de saber ler e escrever.
Nas classes inferiores, porém, as mulheres trabalhavam ao lado dos homens, no campo e algumas eram também artesãs. Mas mesmo na nobreza, em que as mulheres deviam ser submissas aos maridos, encontramos excepções, como nos casos em que as vemos exercer liderança política e até comandar exércitos. Nem todas acatavam passivamente o patriarcado religioso.
Como era o Portugal na época do livro?
O Portugal dos séculos XIII e XIV era um país em evolução.
As suas fronteiras haviam ficado definidas em meados do século XIII, quando D. Sancho II conquistou os últimos bastiões mouros no Algarve. E em 1297, Portugal e Castela assinaram o Tratado de Alcanises, que celebrava a paz entre os seus dois reinos, definindo os limites do território continental português.
No entanto, a ameaça muçulmana persistia, nomeadamente a sul, uma vez que os sarracenos ainda detinham a praça castelhana de Granada, temendo-se que tentassem recuperar algum dos seus antigos domínios em terras lusitanas. Portugal era, portanto, então, uma nação fortemente armada.
Mesmo porque outras lutas se travavam a Oriente, com os confrontos entre cristãos e infiéis na Terra Santa, em que muitos cruzados portugueses participavam.
Era um país pobre, fracamente povoado, de economia feudal e agrícola. O comércio era escasso e praticado maioritariamente nas feiras francas. A fidalguia, a monarquia e o clero, eram em parte sustentadas pelas taxas pagas pelo povo, que lutava para subsistir.
Altamente clerical, a sociedade portuguesa da época era dominada pela moralidade cristã e pelos usos e costumes que esta impunha.
No entanto, ao contrário do que se possa pensar, Portugal não era um país adormecido. Os templários, homens de grande conhecimento cultural e científico, eram notáveis engenheiros, tendo erguido neste território obras de arquitectura militar de enorme relevância. Os cavaleiros desta ordem eram igualmente excelentes navegadores, havendo mapas de cartógrafos seus em que já constavam os Açores, a Madeiras, as Canárias e até as Américas.
Tanto que D. Dinis, rei que sonhava ter uma armada que navegasse pelo mundo em busca de riquezas para a nação, mandou alargar o pinhal de Leiria (mandado inicialmente plantar por D. Afonso III, seu pai, para travar o avanço e degradação das dunas), para dali retirar madeira para a construção naval. Para tal, convocou construtores navais de Génova e de Veneza, que deram início à construção naval nesta nação de futuros navegadores. Podemos considerar que foi o embrião dos Descobrimentos.
Quando se faz um trabalho destes, fica uma ligação afetiva com os protagonistas?
Naturalmente. Afinal, são doze meses ou mais a conviver com estas pessoas, a sentir os seus sentimentos, a rir os seus risos e a chorar as suas lágrimas.
Mesmo com aqueles que pareciam secundários, mas que inesperadamente acabam por ter um papel preponderante na história, porque por vezes “a caneta” manda em nós.
Não é pois, de estranhar que o fim do livro nos deixe um vazio no peito.
Na realidade, é um misto de emoções: o doce sabor do dever cumprido e a saudade dos meus companheiros literários.
É exatamente o que se sente quando se termina de ler um livro de que se gosta.