Sophie Seromenho “Não é Loucura, é Ansiedade”
Sophie Seromenho nasceu em França, mas vive em Portugal desde 2002.
Dona de uns lindos olhos de mar, comunica muito bem em português.
É mestre em psicologia cognitivo-comportamental e integrativa
Autora do livro “Não é Loucura, é Ansiedade. Primeiros socorros para combateres a doença do século”
O que motivou uma agradável conversa sobre ansiedade.
“Não é Loucura, é Ansiedade. Primeiros socorros para combateres a doença do século”
Que livro é este?
É um livro de auto-ajuda científico, que clarifica conceitos de forma simples e direta e que apresenta:
– estratégias para gerires a tua ansiedade;
– como melhorar a relação contigo mesmo e aumentar a tua autoconfiança;
– identificar a origem dos teus medos e a descatastrofizar os teus pensamentos, emoções e sensações corporais geradoras de ansiedade;
– como a exposição gradual às tuas fontes de ansiedade pode ajudar-te a enfrentá-las;
– técnicas que te permitirão lidar com os temidos ataques de pânico;
– a importância do autocuidado na gestão da tua saúde mental.
Como explica o fenómeno da ansiedade?
A ansiedade é uma emoção natural e universal, que todos nós conhecemos e sentimos, cada um à sua maneira.
Para quem ainda não sabe muito bem, a ansiedade é uma emoção que desencadeia um conjunto de reações físicas e emocionais a diversos estímulos externos e/ou internos. Pode ser definida como um estado de medo ou receio motivado por fatores como a antecipação de uma situação potencialmente desagradável, a perceção de que se está/estará em perigo, a ser ameaçado ou vulnerável ao ambiente e/ou às outras pessoas.
A ansiedade pode manifestar-se através de diversos sintomas, quer psíquicos, quer físico. Entre os sintomas psíquicos, encontramos, por exemplo, o medo, o receio antecipado, inquietação ou alterações a nível da concentração/atenção. Os sintomas físicos podem passar, entre outros, por boca seca, dificuldade de deglutição (engolir), desconforto abdominal, náusea, flatulência, alterações do trânsito intestinal, taquicardia, palpitações, sensação de opressão torácica, alterações génito-urinárias, disfunção sexual, tensão muscular, cefaleia, diaforese (transpiração em excesso) ou insónia.
Todos nós sentimos medo e ansiedade (e acredito que existam muito poucas experiências nesta vida que não provocariam ansiedade a toda a gente). Qualquer um de nós sentiria medo se visse fumo a sair do capô do carro, se perdesse o controlo do mesmo numa estrada congelada ou molhada da chuva, se nos deparássemos com um tornado a vir na nossa direção ou se fôssemos assaltados, não é verdade?
O medo é uma resposta básica e automática a um objeto, situação ou circunstância específica que envolve um reconhecimento (perceção) de perigo real ou potencial. Para alguém com aracnofobia (fobia de aranhas), qualquer coisa que sugira a possível presença de uma aranha, como uma teia de aranha, uma casa mais velha, o caminhar na floresta, até mesmo uma foto de uma aranha, pode provocar medo. Sempre que a pessoa está na rua ou num sítio menos seguro, essa pessoa pode estar constantemente a pensar: «Será que vou encontrar uma aranha?», «As aranhas são perigosas porque podem rastejar até à tua boca ou orelhas e pôr ovos lá» ou «Se vir uma aranha, vou “panicar”!».
Fisicamente, essa pessoa pode sentir-se tensa, nervosa, com frio na barriga, aperto no peito, ou coração acelerado sempre que vê algo que o/a lembra de aranhas. E o medo pode causar uma mudança no comportamento, como evitar todos os lugares considerados de risco de exposição a aranhas.
Segundo a terapia cognitiva, a principal característica do medo são os pensamentos de ameaça ou perigo iminente que colocam em causa a segurança da pessoa.
A ansiedade, em contraste com o medo, é muito mais prolongada. É um estado emocional complexo que muitas vezes é desencadeado por um medo inicial. Por exemplo, podes ficar ansioso por ires a casa de amigos que vivam numa casa antiga e que poderá ter aranhas ou por o filme que queres ir ver ao cinema poder ter uma cena com aranhas. O medo básico é deparares com uma aranha, mas acabas por viver num estado de ansiedade persistente provocado pela eventualidade de poderes ser exposto a uma aranha. Portanto, a ansiedade é uma experiência mais duradoura do que o medo.
É um estado de apreensão e excitação física em que acreditas piamente que não podes, nem consegues controlar ou prever eventos futuros potencialmente ameaçadores.
Assim, podes ficar ansioso ao pensar sobre uma entrevista importante, por teres de ir a um jantar onde não conheces as pessoas, ao viajar para um lugar desconhecido, com o teu desempenho no trabalho ou por causa de um prazo a cumprir.
A ansiedade é sempre direcionada para o futuro e acompanhada pela pergunta «e se?». Nós não ficamos ansiosos pelo passado, uma vez que já aconteceu; ficamos é ansiosos com o futuro imaginário adverso e possíveis eventos ou catástrofes: «E se tiver uma “branca” durante o exame?»; «E se não terminar todo o meu trabalho a tempo?»; «E se tiver um ataque de pânico no supermercado?»; «E se eu apanhar covid-19 por estar perto de pessoas?»; «E se eu encontrar alguém que me lembra do ladrão que me atacou?»; «E se eu for despedido?».
Este estado emocional duradouro que chamamos de ansiedade é o foco do meu livro.
De que forma a ansiedade pode mexer com o bem-estar das pessoas?
Quando deixamos de fazer coisas com medo, quando estamos inundados de pensamentos intrusivos que nos fazem sentir mal. Aí a ansiedade mexe patologicamente com o bem-estar da pessoa.
Deveríamos olhar mais para a ansiedade com naturalidade em vez de medo. Com curiosidade em vez de repulsa. A ansiedade é uma emoção natural e universal, que todos nós conhecemos e sentimos, cada um à sua maneira, que nos está a tentar alertar para um potencial perigo. É necessário olhar para ela como um “sininho” que nos está a tentar proteger de algo. Em condições normais, a ansiedade pode ser útil, na medida em que ajuda a identificar situações de perigo e permite uma melhor preparação para as enfrentar. Quando bem doseada, atua sobretudo como estimulante. Caso ela esteja a ser desproporcional e a provocar demasiado sofrimento há que observá-la e compreender a sua origem, o seu gatilho emocional e o seu porquê. É crucial ir largando o controlo e a necessidade de a evitar e enfrentá-la de frente, de forma a compreendermos o que se está a passar conosco. Conectarmo-nos mais ao nosso corpo e a nós próprios de forma a entendermo-nos melhor e saber cuidar melhor de nós.
Que exercício podemos fazer para controlar a ansiedade?
Procurem ajuda médica e psicológica, em primeiro lugar. Caso não vos seja possível pagar sessões de psicologia, existem inúmeros serviços gratuitos que vos podem ajudar e eu tenho disponibilizados no meu livro também. Desde linhas telefónicas a serviços à comunidade nas faculdades de psicologia.
Segundo, comecem pelo básico: alimentação, sono, hidratação e exercício físico. Se nos alimentamos mal, com excesso de açúcar refinado e gorduras saturadas, cafeína em excesso e tabaco, medicamentos e drogas recreativas, irá refletir-se na forma como nos sentimos uma vez que mexe com os nossos níveis glicémicos, inflamação corporal, cortisol e digestão. Somos o que comemos e, portanto, é impossível sermos sãos mentalmente se não nos alimentarmos de forma saudável. O mesmo relativamente à hidratação: A água é representa cerca de 60% do peso de um adulto, ou seja, mais da metade do nosso peso vem da água do nosso corpo. É o elemento mais importante do corpo, o principal componente das células, por isso todas as nossas reações químicas internas dependem dela. Há que beber água para manter a máquina a funcionar. Relativamente ao descanso, este também nos permite balancear as nossas hormonas, recuperar do stresse e cansaço do dia, consolidar aprendizagens e memórias e estimula a desinflamação do corpo. Por fim, o exercício físico, permite segregar hormonas da “felicidade” (endorfinas) que nos ajuda a sentir bem, bem como, torna-nos mais saudáveis, fortes e ajuda a libertar dos pensamentos obsessivos provocados pela ansiedade. Estes são os grandes pilares do autocuidado que todos deveríamos ter DIARIAMENTE.
A leitura do meu livro também pode ser aconselhável 😊
É fundamental, aprender a ver a ansiedade como um processo natural de defesa e interpretação da realidade e não como um monstro. O que faz dela um monstro é quando deixamos de fazer a nossa vida em prol do desconforto que nos causa. Começa a gerar-se um ciclo sem fim de evitamento e de sofrimento.
A ansiedade é como uma árvore: primeiro planta-se a semente (a forma como fomos educados, tratados e amados em crianças) depois começa a ganhar raízes e cresce um arbusto onde se vai aparando para ganhar forma (as nossas experiências de socialização em adolescentes que nos vão “talhando” e moldando) até que se chega à árvore (o conjunto de experiências que fomos tendo ao longo da vida, incluindo pequenos e grandes traumas, que nos torna em adultos ansiosos). Os sintomas de ansiedade são apenas as folhas e flores da árvore (o superficial, aquilo que vemos).
Reforço novamente a importância de se fazer psicoterapia: A psicologia tem um papel importantíssimo! Mais do que tratar os sintomas – a parte que se vê da ansiedade – temos que tratar daquilo que a origina, das suas raízes, daquilo que por vezes não temos assim tanta consciência que está na base da sua origem. E, por vezes, esse processo de cura é feio como tudo. É ir descontruir e descobrir coisas da nossa infância que não gostamos de ter consciência, falar sobre episódios menos bons, mais dolorosos, experiências de rejeição e frustração da adolescência… É sobre aceitar a dor, em vez de fugir dela. É sobre observar a dor, em vez de evitá-la. É sobre resiliência e coragem.
Apesar de doloroso, o processo de recuperação na ansiedade é possível de se fazer e é possível ter-se uma vida gratificante, não sem ansiedade, mas com ansiedade! A ansiedade não é a nossa inimiga, mas para isso, é necessário fazermos as pazes com o nosso passado, presente e futuro. É preciso fazer as pazes com a imprevisibilidade da vida, com a incerteza e com a dor. Não é para quem quer da boca para fora, é para quem está disposto a lutar.
E termino esta resposta com uma frase de Freud que me faz todo o sentido quando falamos de recuperação da ansiedade e que compõe o início do meu livro: “Quando a dor de não se estar a viver for maior que o medo da mudança, nós mudamos”.
O que é um ataque de pânico do ponto de vista clínico?
Existem diferenças entre ataque de pânico e crise de ansiedade. Embora estes termos sejam utilizados como sinónimos, representam tipos de crises distintas. Quando se manifestam, ambas as crises enviam mensagens ao sistema nervoso que ativam o nosso instinto de «lutar, congelar ou fugir», necessário para quando enfrentamos uma ameaça ou situação perigosa. Nesse processo, ocorre uma descarga de cortisol e adrenalina no organismo e uma série de respostas do corpo físico, como o tensionamento dos músculos, aumento dos batimentos cardíacos, aceleração da respiração, entre outras. Normalmente acontecem diante de situações corriqueiras que não apresentam ameaça alguma à vida, segurança ou bem -estar individual. No entanto, para a pessoa ansiosa ou em pânico, estas são intimidadoras ou assustadoras. As principais diferenças entre a crise de ansiedade e pânico estão na causa e na forma como os sintomas são percebidos Enquanto o ataque de pânico aparece quase de forma espontânea, a crise de ansiedade acontece depois de um período de preocupação excessiva por causa de um evento ou situação específica. Na crise de ansiedade, as pessoas têm dificuldade em pensar logicamente sobre um acontecimento ou evento que está para acontecer e passam longos períodos de tempo a sofrer por antecipação. No ataque de pânico, isto não existe pois acontece inesperadamente. Os sintomas da crise de ansiedade são tipicamente de menor intensidade do que os da crise de pânico. No caso do ataque de pânico, os sintomas são extremamente intensos mas desaparecem numa questão de minutos (dependendo do caso, pode levar mais ou menos tempo) e os da ansiedade mais brandos mas persistem por longos períodos de tempo. Quando os sintomas são percebidos, a primeira coisa a fazer é procurar ajuda médica. A reação da maioria das pessoas é correr para as urgências quando sentem o peito doer, o coração bater mais forte e os membros do corpo a formigarem. É preciso avaliar -se bem o que se está a passar. A primeira experiência da crise de ansiedade ou ataque de pânico pode ser facilmente confundida com um ataque cardíaco. Mas, após efetuar os exames necessários para investigar a condição de saúde, nada fora do normal é encontrado. Assim, pode-se já descartar a hipótese do problema ser do foro físico. Algumas pessoas podem alegar não sofrer de ansiedade e pânico mesmo após terem tido uma crise. É verdade que qualquer pessoa, independentemente se possui uma perturbação mental, pode ter uma crise de ansiedade e/ou ataque de pânico. Isto acontece, contudo, somente em situações de extremo stresse. Quando os sintomas de crise de ansiedade e pânico se manifestam no dia a dia, em circunstâncias corriqueiras e que fazem parte da rotina da pessoa, é um sinal de que a sua saúde mental precisa de cuidado. Volto a frisar: Se este é o seu caso, este livro apenas deve ser um complemento. Deve sempre procurar ajuda médica e psicológica pois não queremos que as pessoas desenvolvam perturbações de ansiedade como acontece com a perturbação de pânico, que é a que encontro mais na minha pratica clínica e aquela que mais pessoas desenvolveram durante a pandemia e quarentena (segundo a minha prática clínica, claro) e que ainda persiste no tempo, mesmo após o desconfinamento.
Quem acha que vai ter muito prazer ao ler este livro?
Qualquer pessoa! 😊
É um livro que deveria ser indispensável a qualquer pessoa!