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1821 – O Regresso do Rei – Armando Seixas Ferreira

Armando Seixas Ferreira, Nasceu no Barreiro a 16 de maio de 1973. Integra desde 2015 a equipa do Linha da Frente, o programa de grande reportagem da RTP1.

É um verdadeiro apaixonado por história e pela escrita.

Na altura do confinamento fez um grande estudo sobre o rei João VI, esse estudo profundo acabou na edição do livro “1821 – O Regresso do Rei“, motivo mais que suficiente para uma boa conversa numa tarde de sol. 

 Qual a importância do rei João VI ? 

Ao contrário do que muitos pensam, D. João VI foi o rei certo no momento certo.

O filho de D. Maria I assumiu a regência devido à demência da mãe.

Muito cedo começou a ser chantageado por Napoleão para aderir à causa do continente, contra os nossos aliados ingleses.

Depois das guerras da Restauração em 1640, Portugal atravessou um dos momentos mais terríveis da sua história.

Corremos o risco de perder a independência, caso o príncipe regente não tivesse tomado a decisão de transferir a corte para o Brasil, que nessa altura fazia parte da nação portuguesa.

Não considero que se tratou de uma fuga, mas sim de uma decisão estratégica muito à frente do seu tempo.

No 11 de setembro de 2001, quando as torres gémeas e o Pentágono foram atacados, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, também foi colocado em segurança no avião Air Force One que descolou para parte incerta.

No caso de D. João VI, a mudança de hemisfério revelou-se bastante benéfica.

O príncipe regente não se deixou aprisionar e continuou a tomar decisões para libertar Portugal dos franceses e restaurar a paz geral na Europa. No Rio de Janeiro fundou um império.

Criou tribunais, escolas, um banco, a imprensa. 

Transformou o Brasil num país, consolidando as suas fronteiras e a língua portuguesa no mundo. 

Quanto tempo demorava a fazer a viagem do Brasil para Portugal? 

A viagem da corte para Lisboa demorou 68 dias de mar.

Mas esse tempo podia variar, consoante os contratempos e as necessidades dos navios.

Neste caso, a travessia foi feita sem escalas, apesar de terem sido equacionadas paragens na Bahia e nos Açores.

Quais as maiores dificuldades em fazer esta viagem? 

Nos diários de bordo que encontrei no Arquivo Histórico da Marinha, referentes a dois dos navios que fizeram esta viagem (o brigue Reino Unido e a corveta Voador), percebi que a maior preocupação a bordo tinha a ver com o risco de dispersão da esquadra.

Naquela altura, o atlântico estava infestado por corsários que representavam um perigo para a navegação.

Os navios que escoltavam a nau almirante D. João VI estavam constantemente em manobras e a fazer sinais.

Perseguiam embarcações suspeitas que apareciam no horizonte e ocupavam imediatamente posto de combate.

Também havia o risco de uma tempestade que podia provocar um naufrágio, ou dispersar os navios, deixando-os à mercê de um ataque de piratas.

No livro incluí relatos impressionantes de sobreviventes a ataques de corsários. 

De resto, a vida a bordo era muito dura e disciplinada.

Os mantimentos podiam escassear, ou ficar estragados, contribuindo para o mal-estar dos passageiros e doenças a bordo. 

Qual a dimensão de um navio?

A nau D. João VI era o navio almirante da esquadra que transportou a corte para Portugal.

Era bastante imponente.

Tinha 60 metros de cumprimento e estava armada com 74 peças.

A figura de proa representava o génio Lízia, uma obra do pintor Domingos Sequeira. Demorou cerca de dez anos a ser construída por causa das invasões francesas.

Graças às aguarelas de um jovem artista austríaco, Franz Joseph Frühbeck podemos apreciar os interiores e o ambiente do navio.

Essas pinturas, pouco conhecidas entre nós, fazem parte de um conjunto de ilustrações que publiquei no meu livro.

Como era a rotina diária?

Nos navios, os dias estavam divididos em Quartos, ou seja, a divisão do tempo que os oficiais e marinheiros estão de serviço, enquanto os outros descansam.

De manhã, o navio era limpo, raspado e lavado com baldes para evitar a propagação de doenças.

O vinagre, alcatrão ou pólvora eram utilizados para perfumar os interiores.

O almoço era às onze da manhã e o jantar às quatro e meia da tarde.

Durante as viagens havia tinas com água para a higiene diária da guarnição.

O transporte de fogo obedecia a regras rigorosas devido ao perigo de incêndio.

Todos os domingos e dias santos tinham lugar missas nos navios da Armada Real.

Os marinheiros deviam estar sempre prontos a entrar em combate.

Depois do toque a rebate, os comandantes tinham cinco minutos para atacar o inimigo.

Os furtos e os delitos pagavam-se caro.

Os culpados eram severamente castigados e podiam ser condenados à morte.  

Morreu alguém a bordo? 

Não encontrei registo de que alguém tivesse falecido a bordo na viagem entre o Rio de Janeiro e Lisboa. Houve um homem que caiu ao mar quando a esquadra estava quase a entrar no Tejo.

«1821 – O Regresso do Rei» que livro é este? 

É uma investigação jornalística sobre uma viagem que se realizou há precisamente 200 anos e os bastidores da independência do Brasil, declarada no ano seguinte, em 1822. Não é um romance, não é ficção.

É um relato factual dos acontecimentos, com recurso a manuscritos e jornais da época.

Conhecemos como foi a ida para o Brasil em 1807, mas havia um vazio em relação à viagem de regresso.

Apercebi-me que ninguém ainda tinha feito este trabalho de documentar o que se passou na viagem da volta. Faltava contar a segunda parte da história.

Por exemplo, Napoleão morre no décimo dia de navegação e D. João VI é recebido como um herói à chegada.

Onde andou a fazer investigação para esta obra? 

A pesquisa foi feita nos meus tempos livres através da internet.

Muitos arquivos de bibliotecas portuguesas, brasileiras, francesas e inglesas estão digitalizados e isso facilitou a investigação.

Tenho muitos livros antigos que compro em feiras, usei-os. Também me desloquei ao Arquivo Histórico da Marinha, à Biblioteca do Palácio Nacional da Ajuda e à Torre do Tombo.

Armando Seixas Ferreira

Para alem da viagem que aspecto importantes marcaram a vida deste monarca? 

A imagem que nos chegou de D. João VI que nos chegou está muito deturpada.

A fisionomia invulgar e a fealdade nos últimos anos de vida contribuíram para alimentar a propaganda de Napoleão que dizia que D. João tinha fugido para o Brasil com medo.

O imperador dos franceses sentiu-se frustrado.

Os ingleses escreveram que a decisão do príncipe tinha sido “magnânima”. Estamos perante um homem tímido que teve um casamento infeliz com D. Carlota Joaquina, mas era um bom pai.  

O rei gostava muito de dar audiências e de estar com o povo.

Era trabalhador e escrupuloso com as finanças.

Apreciava a música religiosa e as Belas Artes. Patrocinava e incentivava artistas.

É o fundador do estado brasileiro quando eleva o Brasil a reino em dezembro de 1815. D. Pedro declara a independência do Brasil um ano depois da saída da corte, o que prova que o pai tinha feito um bom trabalho durante os últimos 13 anos e o Brasil já funcionava como país.

Conservou a América portuguesa unida enquanto a espanhola de fragmentava em várias repúblicas. Como político, D. João VI revelou-se astuto e inteligente.

Para quem acha que se destina este livro? 

É um livro para quem quer saber a verdade dos factos e gosta de História. É um livro para quem não conhece nada sobre o reinado do D. João VI, mas também para especialistas.

Duzentos anos depois acho que é um bom momento para reabilitar a imagem deste rei que viveu sempre no meio do perigo. Não foi Napoleão que ganhou a guerra.

Quem venceu foi D. João VI.

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