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Contra o COVID, Marchar, Marchar!

Trinta minutos dá-nos tempo para pensar.

 O tempo que temos depois da inoculação da vacina contra o COVID-19.

No meu caso, a segunda dose.

Desde o início da pandemia que tenho a noção que vivemos tempos de guerra.

E ao entrar no Centro de Vacinação percebe-se e agradece-se o pulso militar na organização.

Não haja a mínima dúvida, é uma guerra.

Não fazemos filas para arranjar comida e água mas para tomar uma vacina que salva vidas.

Nos meus pensamentos apareceu o Duarte, soldado no meu pelotão nos tempos idos do serviço militar obrigatório.

Por causa do Duarte confinámos duas semanas seguidas no quartel. 

Não sabia o hino e nem à lei da bala o conseguia decorar.

O nosso Alferes deu-lhe uma folha impressa com o Hino para decorar num dia. Não foi capaz.

Toca a confinar outro fim de semana. Raios partam o desgraçado!

Com o Duarte quase a ser linchado pelos camaradas de pelotão e intrigado resolvi ter uma conversinha particular.

Ao fim de muito tempo de negação da evidência resultou que o Duarte confirmou que não sabia ler. Nem escrever.

Pasme-se, o Duarte pertencia às fileiras do exército e, se chamado, um dia iria defender o seu país.

Mas ninguém quis saber, até então, que aos 19 anos fosse analfabeto.

O assunto foi levado ao Comandante do Esquadrão.

Nas palavras do incrédulo Comandante o Duarte entrou como um civil analfabeto mas iria sair um homem a saber ler e escrever e, já agora, a saber o Hino nacional.

Era essa a missão, da qual fui incumbido, a três meses de sair da tropa e seguir a minha vida.

Livros do 1º ano, caderno de duas linhas, caderno pautado, lápis e borracha.

As armas de que me muni para iniciar a batalha. O Duarte não queria.

Contava os dias para sair da tropa e queria trabalhar na cozinha de um restaurante lá da terra. Não precisava de ler e escrever para nada.

Só que o Duarte estava na tropa e tinha acabado de entrar numa guerra, contra a ignorância e um futuro miserável. E da vitória do Duarte dependia a minha vida e a de outros camaradas.

Expliquei ao Duarte que não tinha alternativa. Não tinha o direito de dizer não. Se não por ele teria de fazê-lo pelo grupo, pelos camaradas.

E no final das contas, seria ele o maior beneficiado.  

Iria ser autónomo, dono do seu futuro.

O Duarte, contrariado, tinha aulas diárias. Um sacrifício que não escondia.

Era uma guerra e o Duarte ficou a saber que só voltaria a sair do quartel quando fosse capaz de preencher, sozinho, o passaporte cor-de-rosa que nos libertava ao fim de semana.

Um calvário que durou três finais de semana consecutivos. Ao quarto, preencheu o passaporte, ganhou o direito de ir a casa e a admiração dos camaradas.

Entusiasmou-se e dedicou-se. Começou a ler receitas de culinária das revistas que por lá andavam.

No fim dos três meses, o Comandante garantiu que o Duarte iria fazer o exame numa escola, para ficar com a “quarta classe” e perder o estatuto de analfabeto.

Missão cumprida.

O Duarte aprendeu que a liberdade de dizer não acaba quando põe em causa as liberdades, direitos e vida dos outros.

Aprendeu que negar a evidência da sua condição o prejudicou e ostracizou.

Aprendeu que do sacrifício a uma boa causa nascem coisas boas. Um futuro.

Dizermos sim à vacina na guerra contra o COVID-19, não é uma escolha, é um dever.

De todos.

P.S.: E já agora saber o Hino Nacional. O Duarte aprendeu.

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