Manuel Azinheira Escoural – Montemor o Novo
Numa crónica que se quer tão alentejana como o cante que se ouve ao longe, vai-se desenrolando, como a lã numa roca, a história de um lugar onde o tempo parece ter-se acomodado na sombra de uma azinheira.
Andando pelas terras do Alentejo, entre o dourar do trigo e o verde prateado das oliveiras, encontramos a giesta, salpicada de cores vivas, um quadro que se pinta a si mesmo, com pinceladas de lilases, amarelos e brancos.
Esta tela natural, onde cada flor parece ter sido colocada com um propósito, lembra-nos a cozinha alentejana, onde cada ingrediente, cada sabor, é escolhido e combinado com uma precisão que só a experiência e o amor podem oferecer.
Na cozinha, é a terra que fala, contando histórias através dos sabores.
Na confecção dos pratos, observa-se a mesma mescla de cores e plantas que compõem a paisagem alentejana.
A diversidade de produtos da terra, utilizados com carinho e sabedoria, forma a base de receitas que são autênticas relíquias gastronómicas.
Eis que, num canto acolhedor na Rua principal do Escoural, encontramos o pequeno Restaurante do Sr. Manuel Azinheirinha, onde a simpatia é tão generosa quanto os pratos servidos.
A casa, criada há 30 anos, é um repositório de tradições e saberes, onde a comunhão de fornecedores locais se faz sentir em cada garfada.
De entrada, umas favas ratinha com chouriço, vêm aromatizadas com hortelã, e já posso imaginar o cozinheiro, colhendo a hortelã fresca, enquanto as favas cozinham lentamente, libertando o aroma que se entrelaça com o fumeiro do chouriço mouro.
As cores e texturas remetem-nos para o campo em flor, e o sabor é um convite para que nos sentemos e desfrutemos sem pressa.
Segue-se a sopa de cação, onde as fatias de pão, mergulhadas no caldo rico e temperadas com azeite, alhos e coentros, nos confortam como um abraço. A sopa, de uma simplicidade enganadora, revela a complexidade dos sabores que só uma cozinha com raízes consegue proporcionar.
O prato principal surge então: as “buxexas” de porco (assim designadas no Escoural) com migas de espargos. É a celebração do campo, da pecuária, da terra e do trabalho. As migas, húmidas e saborosas, fazem a cama perfeita para as “buxexas”, que se desfazem na boca, suculentas e repletas de sabor.
Para acompanhar, um vinho tinto de Arraiolos, tão simpático quanto o sorriso do Sr. Manuel. As empadinhas de faisão e o paio fatiado, complementos perfeitos, são mais que simples petiscos, são fragmentos de história, pedaços de cultura.
Ao fim da refeição, a sesta não é uma opção, é uma necessidade.
Saí do restaurante não apenas satisfeito, como também mais rico, levando comigo a certeza de que a gastronomia alentejana é uma forma de arte, onde cada prato é uma pincelada numa tela que se estende muito além do mesmo, cobrindo colinas e vales, e tocando o coração de quem tem a sorte de se sentar à mesa nesse recanto do Alentejo.
Esta crónica, embalada pelo gerúndio, conta mais do que uma refeição; narra a continuidade de uma cultura, a calma de um estilo de vida que se quer preservar e a comunhão que se estabelece quando se partilha uma mesa, uma refeição, um momento.
No Alentejo, como na giesta, a beleza está na simplicidade e na harmonia dos seus elementos, sejam eles flores do campo ou sabores da cozinha.