Luís Louro, quase 40 anos a rabiscar
Foi numa tarde de calor que fomos conversar com o Luís Louro, quase com 40 anos de carreira ligada à banda desenhada.
Agora surge uma nova aventura “O Despertar dos Esquecidos“.
Motivo para uma boa conversa
Tens noção como aparece essa paixão pelo desenho?
Na realidade não, desde que me lembro que gosto de desenhar…
A minha mãe costumava dizer que eu adormecia debaixo da mesa com um lápis e um papel na mão… Tenho memórias da escola primária a desenhar para os meus colegas, lembro-me que na altura me fartava de desenhar os “Águias” do “Espaço 1999”. (Agora que penso nisso podia ter feito uns trocos… :):))
Desde muito novo que consumia muita BD, era a época das revistas, Falcão, Mundo de Aventuras, coleção Combate, Disney, etc…
Como começa a editar?
Comecei a editar em 1985, com 19 anos no Mundo de Aventuras, isto em revistas profissionais pois já vinha a participar em vários fanzines anteriormente.
como foi o seu trajeto?
Sempre fiz BD, mas no secundário conheci o Tozé Simões que escrevia umas coisitas, e resolvemos fazer uma BD em conjunto por piada, e a colaboração durou cerca de 13 anos! Fizemos muita BD, muita coisa que nunca era acabada (como sempre, típico de adolescentes) mas entre elas criámos algumas coisas com princípio meio e fim.
Foi uma dessas histórias (sobretudo de ficção científica) que publicámos no Mundo de Aventuras no dia 1 de Abril de 1985, até parecia mentira, eheheh… pouco depois criámos o nosso personagem de maior sucesso, o “Jim Del Monaco”, num estilo diferente, a linha clara.
Foi um sucesso tal que fizemos 7 álbuns, e mais dois em 2015/17 na comemoração dos 30 anos do personagem.
Seguiu-se a série “Roques e Folque”, 3 álbuns sobre a história isotérica de Portugal.
Em 1994, por questões profissionais ele teve de parar e eu resolvi continuar sozinho, aventurando-me no campo do argumento… e aí surgiu “O Corvo”, personagem que comemora agora 30 anos e continua ativo e cheio de saúde, com 7 volumes até à data.
Seguram-se vários álbuns isolados, que marcaram definitivamente a minha carreira, como Alice e Coração de papel. Tive posteriormente colaborações com outros argumentistas como o Rui Zink, o João Miguel Lameiras & João Ramalho Santos, e ainda o Nuno Markl.
Mas é a solo que me sinto mais confortável, talvez por ter muitas histórias para contar…
Entre elas também destaco o díptico “Watchers” e “Sentinel”, ( pela primeira vez na BD foi apresentado um livro com dois finais diferentes, na versão vermelha e branca, tendo a sequela Sentinel dois inícios diferentes, condizentes com as respetivas versões vermelha e Branca).
Em 2022 lancei o meu álbum de maior fôlego até agora, o “Dante”, com mais de 100 páginas.
Durante a pandemia pela primeira vez aventurei-me nas tiras humorísticas, com dois volumes de “Os Covidiotas”, uma divertida e incisiva crítica ao modo como os portugueses (e não só) encararam a quarentena, etc.
Neste momento tenho já preparado para sair “O Corvinho”, as aventuras do Corvo para um público mais jovem, um livro de ilustração infantil.
Algo que já tinha feito com a Rosa Lobato de Faria em tempos Idos, e que gostei muito.
Presentemente trabalho num novo projeto de fôlego, que espero ter pronto para o próximo ano. Resumindo, entre várias publicações em revistas, jornais, etc, estou neste momento a aproximar-me dos 50 álbuns publicados, quando me preparo para comemorar em 2025, 40 anos de carreira.
Como define o seu estilo? Qual a sua identidade?
Quanto ao meu estilo, neste momento e sem querer ser mal interpretado, é o estilo Luís Louro.
Felizmente cheguei a uma altura da minha carreira onde o meu trabalho é reconhecível, sem necessidade de o assinar… isto talvez porque desde há vários anos que deixei de consumir banda desenhada.
Isto deixa as pessoas muitas vezes surpreendidas, mas como passo tantas horas no estirador a desenhar, ou mesmo longe dele a pensar nas histórias, que quando tenho tempo disponível, gosto de fazer outras coisas, ler, ver séries, Fórmula 1, filmes, etc…
Se por um lado posso perder a noção do que se faz agora, de quem são os novos autores, por outro consegui libertar-me de influências diretas e conscientes.
Obviamente que fica sempre algo, seria extraordinariamente arrogante da minha parte achar que era original ou que tinha descoberto a pólvora…
Como é o ato da criação?
O que surge primeiro, o texto ou o desenho?
O ato de criação começa sempre por uma ideia, ou pela vontade de desenhar sobre um certo tema.
Tenho um caderninho onde vou anotando ideias, conceitos, diálogos, frases, etc… quando acho que já tenho algo com pés e cabeça, passo para o computador e começo a escrever o argumento, já com os diálogos, paginação, etc. argumento esse que ainda passará por muitas alterações mais tarde, pois estou sempre a alterar e a acrescentar coisas novas até ao final. (Esta é uma vantagem de trabalhar as minha próprias histórias.)
De seguida começo os esboços dos personagens e cenários. Finalmente começo a desenhar o livro.
Por esta altura o meu trabalho já é sobretudo digital, ainda faço o esboço da pagina a lápis e papel, de seguida tiro uma foto tosca com o telemóvel e envio para o computador por airdrop, onde já tenho a página com as dimensões corretas.
Aí começo por fim a arte final a tinta, em várias layers, e posteriormente a cor pelo mesmo processo, na maioria das vezes com dezenas de layers por página.
Em conclusão o texto terá de surgir sempre primeiro, para poder saber o que tenho de desenhar.
Mas em situações raríssimas já me aconteceu começar a desenhar uma série de cenários ou personagens E depois gostar tanto que tive de “arranjar” uma história para aquilo…
E o mais incrível é que foram alguns dos meus trabalhos de maior sucesso, como os “Watchers” e o “Dante”.
Quem é “O Corvo”?
O Corvo sou eu, és tu, somos todos nós!!!
O Corvo é um indivíduo normal, (Bom, não diria normal pois falta-lhe ali uma quarta-feira…) mas é um tipo banalíssimo apaixonado por BD e que decidiu ser um herói e proteger a sua cidade, Lisboa.
Anda normalmente pelos telhados, obviamente, pois daí tem uma vista única sobre a cidade e os seus possíveis criminosos.
E sempre acompanhado pelo seu “Sidekick”, o Robim! que é uma bicicleta.
Sim eu disse uma bicicleta!
Com quem ele tem as conversas (monólogos) mais divertidas e por vezes profundas.
O seu alter-ego é o Vicente, que é um indivíduo solitário, triste, depressivo, que durante o dia se refugia nas suas BD’s e nas suas crises existenciais, e prepara as “Corvo-Bolsas” essenciais ao nosso herói Com tudo o que um herói possa necessitar, sobretudo a indispensável garrafinha de leite com chocolate e as belas das chamuças…
Mas assim que chega a noite e veste o uniforme do corvo, deixa de ter noção de quem é o Vicente e assume uma personalidade completamente diferente, e lá segue para as suas aventuras na maior parte das vezes com o Robim às costas. (Pois num telhado nem sempre é fácil andar de bicicleta, claro.)
Agora surge uma nova aventura “O Corvo” VII – O Despertar dos esquecidos”.
Que livro é este?
“O Despertar dos Esquecidos“, é um livro muito especial para mim.
Não só por comemorar os 30 anos do Corvo, mas porque toca num tema muito sensível, a velhice.
Talvez seja o primeiro álbum onde a historia não gira em torno do nosso herói.
É uma história extraordinariamente divertida, mas ao mesmo tempo comovente, com momentos de nos dão uma verdadeiro murro no estômago.
Normalmente no Corvo gosto de fazer critica social, gosto de andar, segundo alguns dos meus leitores no fio da navalha do politicamente correto…
Qualquer dia “esbardalho-me” todo… 🙂 Mas parece que ainda não foi desta, pois até à data este sétimo volume está a ser considerado o favorito tanto pela critica, como pelos leitores…
Quem é o público que consume banda desenhada?
Não há um publico típico…, se formos a um festival encontramos gente das mais diversas idades, extrato social, género, etc…
É bom ver que finalmente a Banda Desenhada começa a ser reconhecida como uma forma de arte e não como uma coisa para crianças, aliás, em todos os meus trabalhos nunca fiz uma BD para crianças.
E é engraçado que por exemplo numa das minhas últimas sessões de autógrafos, autografei livros, para um ex-secretário de estado, para uma freira, uma juíza, professores, estudantes, etc, etc…
É a beleza de tudo isto.
Numa fila de autógrafos para mim são todos iguais, e todos merecem o meu respeito e agradecimento por acompanharem o meu trabalho, e me acarinharem ao longo destes anos todos.
Como vê a evolução da banda desenhada nos últimos 30 anos?
Nos últimos 30 anos a banda desenhada evoluiu imenso, não só devido às novas tecnologias, mas sobretudo pelo aumento da oferta e isso deve-se sobretudo à mudança de mentalidade do leitor,
Que como disse anteriormente já olha para a BD como algo sério e digno de respeito.
Como explica o seu sucesso ao longo do tempo?
O meu sucesso ao longo do tempo? Bom primeiro…
Sorte, claro. Independentemente da qualidade é sempre uma sorte haver alguém a gostar do que fazemos.
Depois talvez por sempre ter feito o meu trabalho com seriedade e muita paixão, e isso provavelmente passou para os leitores.
Também poderia mencionar o meu estúpido sentido de humor, mas alguns dos meus maiores sucessos até são Histórias bem sérias…
Talvez seja essa dualidade…?
A única coisa que tenho a certeza é que a cada trabalho estou sempre tentar ir mais além, tentar coisas novas, mas sem nunca perder a minha identidade, pois é isso que me caracteriza.