Miguel Carvalho – CEO da Adico
A cadeira Portuguesa Adico faz 100 anos de existencia.
Não há nenhum Português que nunca tenha sentado numa cadeira desta marca tão emblemática.
Motivo mais que suficientes para conversar com Miguel Carvalho, CEO da Adico.
Como foi que surgiu a Adico?
A Adico nasce em 1920 pela mão de um jovem chamado Adelino Dias Costa, filho de um pequeno serralheiro. Adelino tinha uma visão muito progressista para a época e vem a tornar-se um dos maiores industriais do seu tempo. Para além disso, teve um papel social local muito interessante e chegou mesmo a receber uma comenda por ser um benemérito.
Aos 12 anos emigrou para o Brasil, mas dois a três anos depois regressou a Portugal por força de um problema de saúde. Adelino Dias Costa sonhava dar continuidade ao negócio do seu pai, mas com uma visão mais progressista e alargada. Foi para Lisboa e foi trabalhar como serralheiro para a famosa Fábrica Portugal, onde cedo deu nas vistas pela forma perfeita como trabalhava o mobiliário metálico. Pouco tempo depois dá por terminada a sua fase de aprendizagem. Montou uma pequena oficina em Lisboa, onde trabalhou horas sobre horas, o que viria a debilitar o seu estado de saúde. Numa deslocação ao Porto, começou a estudar como se trabalhava o fabrico de móveis metálicos no norte do País. Em 1920 regressa à sua terra natal, Avanca, e decide assim, fundar a sua própria empresa de mobiliário metálico que denominou de Adico.
Devo recordar que falamos de 1920, pós Primeira Guerra Mundial, onde se vivia também o rescaldo da gripe pneumónica.
Nas recolhas que temos dos arquivos da empresa, os valores sobre os quais os produtos eram desenvolvidos nessa época eram resumidamente a simplicidade, a higiene, o bom-gosto, a solidez e a barateza. Esta última palavra caiu em desuso, mas, na altura, traduzia o ADN da empresa.
Paralelamente a este ambiente, produzia-se na Europa, nas primeiras décadas do século, produtos funcionais de bom design, nomeadamente os móveis das linhas art decor e de inspiração da escola Bauhaus. A Adico tinha todas as caraterísticas para se identificar com este tipo de desenho progressista, num sentido funcional, acessível, económico e de execução prática.
Sendo nós um país do sul da Europa, as esplanadas surgem muito naturalmente, a partir de todos os programas de diversão. A loucura dos anos 20 fez com que todas as pessoas fossem para a rua. Criou uma tradição de convívio.
Nos anos 30, a Adico teve duas áreas de negócio perfeitamente distintas: a área hospitalar, com o desenvolvimento de camas, marquesas (que ainda hoje mantemos mas numa outra empresa) e as esplanadas.
Com todo este tempo de vida, costumamos dizer em tom de brincadeira que a probabilidade de um português vivo nunca se ter sentado numa cadeira portuguesa ou numa cadeira da Adico é praticamente nula.
Na sua gênese, a produção era exclusivamente de cadeiras?
Nos primeiros anos da década de 20, a empresa produzia o que denominávamos por mobiliário de uso geral: camas, lavatórios… Aí está a sua génese. O seu produtor rapidamente identificou que se tivesse uma produção em série, tinha economias de
escala. Tinha uma visão progressista da produção, o que permitiu rapidamente ter dois campos de negócio. Como dizia, a área hospitalar e as esplanadas.
Como surgiu a ideia de construir a Cadeira?
A originalidade da Cadeira Portuguesa surgiu da necessidade e da oportunidade. Havia uma tradição do fundador de trabalhar o tubo metálico. Para além disso, as esplanadas também contribuíram para que a empresa desenvolvesse a Cadeira Portuguesa.
Contudo, desde os anos 30 que a Adico sempre teve uma oferta vasta que vai para além da Cadeira Portuguesa. É o nosso maior ícone em termos de vendas, o nosso produto âncora, mas entre uma linha de outdoor, indoor e clássico temos uma oferta de mais de 100 modelos. Não estamos condicionados apenas à Cadeira Portuguesa.
Na verdade, ela é um marco clássico do mobiliário português. Há uma intemporalidade no seu design. As suas linhas são simples. É uma cadeira confortável e durável. Funciona quase como um case study do design português porque é inequivocamente um símbolo da portugalidade. Não existem muitos registos de outros objetos que tenham sobrevivido a nove décadas com esta atualidade, modernidade e com a presença que, ainda hoje, a Cadeira tem nas esplanadas portuguesas.
Tinham a noção que se ia tornar tão popular?
Não. A Adico faz parte de um grupo restrito de empresas centenárias familiares e está hoje a ser acompanhada pela terceira geração. Desde 1920 que a empresa está situada numa pequena vila, Avanca, que é conhecida por ser a origem do professor Egas Moniz e tem cerca de 10 mil habitantes. A empresa sempre foi low-profile. Muito focada nos seus produtos e nos seus clientes, com uma responsabilidade social porque a Adico é uma referência local. A junção destes factos foram os fatores críticos para esta longevidade.
O autor da Cadeira Portuguesa não esperava, seguramente, tanta longevidade e um sucesso tão grande.
O que faz esta Cadeira ser o que é? Ser tão especial?
Poderei repetir-me, mas diria a simplicidade no design. O produto é composto por quatro artigos: um assento, um encosto e dois tubos curvados. Temos algumas variáveis e temos vindo a atualizar a Cadeira Portuguesa ao longo dos tempos não no design, mas nos acabamentos. A Cadeira pode ser toda em metal. Pode ter o assento em madeira, em ripas de madeira…
Para além das esplanadas portuguesas, nós estamos pelo mundo fora. Com muito orgulho, a Adico exporta para mais de 30 países num caráter regular e contínuo. Com caráter pontual já exportamos para mais de 50 países. Desde a América do Sul a América do Norte, África, Europa, Ásia. Estamos na longínqua Seul, estamos em Tóquio… É com muito orgulho que levamos a Cadeira Portuguesa além-fronteiras.
Posso contar-lhe um episódio interessante que revela a presença internacional da Cadeira. Apesar de ter uma ligação familiar com a empresa, só estou na Adico há cerca de três anos e meio. Há uns 20 anos estava a visitar a ilha do Fogo, em Cabo Verde. Na pequena vila dos Mosteiros, recordo-me de reparar que num retalho de cadeiras, num pequeno restaurante, havia duas cadeiras que eram Adico. A Cadeira Portuguesa está realmente em todo o lado.
Este ano assinalam-se 100 anos de existência da Adico. De que forma vai ser assinalada esta data?
Na verdade, o centenário teve lugar, em dezembro, de 2020, mas pela conjuntura que tivemos não conseguimos fazer aquilo que os stakeholders da empresa mereciam. Realmente temos uma equipa de colaboradores fantástica, parceiros e fornecedores extraordinários, clientes inexcedíveis e queríamos ter feito algo que marcasse. Decidimos passar as celebrações para 2021 e 2022, num ritmo mais lento.
Vamos lançar uma nova linha de mobiliário de Indoor e reforçar uma aposta que temos vindo a desenvolver há já alguns anos: uma linha que denominamos internamente de Clássicos. Somos uma empresa com 100 anos e, como tal, temos um património riquíssimo que fomos coletando ao longo deste tempo. O que fazemos não é mais do que ir aos velhos armazéns buscar artigos antigos, redesenhá-los, reconfigurá-los e apresentá-los ao mercado com um toque de modernidade e de atualidade. Na celebração do seu centenário, o maior ativo da Adico são os seus produtos e eu diria que esta nova linha de Clássicos vai ser a nossa maior aposta. Será a nossa maior surpresa para 2021!
O que quer dizer Adico?
É uma abreviatura de Adelino Dias Costa. Em 1920, a empresa foi formada com esse nome.
Quem são os vossos clientes?
O nosso principal cliente é o setor da hotelaria e restauração. Temos um mercado importante de branding. Temos uma associação muito clara dos nossos produtos a marcas de grande consumo. É uma parte muito interessante do nosso negócio, mas depois temos a nossa própria linha e aqui os hotéis, restaurantes, lojas de decoração…são os nossos parceiros privilegiados que fazem o canal de venda funcionar.
Enquanto preparava-me para esta entrevista dei de caras com outra cadeira também famosa em Portugal. Gostaria de saber a sua opinião sobre a cadeira Gonçalo, com quem a Adico tem um problema em tribunal. Que problema foi este?
Julgo que não será muito interessante entrar em detalhes jurídicos, mas devo dizer-lhe com a mesma transparência que modéstia a mais também é uma forma de vaidade. Eu acho que a Adico deve reclamar e contar a sua história e, depois, as evidências devem ser concluídas por quem de direito. Há outras empresas em Portugal a fazer o que se diz ser a Cadeira Portuguesa. Começaram a fazê-lo há 10, 20, 30 anos. A empresa em causa começou a sua atividade em 1953 e o referido mestre Gonçalo era um serralheiro que começou a sua atividade nesse ano. Para o seu centenário, a Adico está a preparar uma espécie de museu, um showroom, onde está a agregar vários materiais que nos permite recontar a história da empresa. Nesses materaisi temos evidências de que a Cadeira Portuguesa era produzida desde o final dos anos 30. Temos fotografias interessantíssimas da mesma no forte de São Pedro, em Cascais. Temos cartas do final da década de 30, início dos anos 40, das antigas juntas de turismo a agradecer a colocação das cadeiras e a forma como a entrega foi feita.
Basicamente, essa empresa que refere fez algures em 1955 um registo no Instituto Nacional de Propriedade Industrial. A Adico não fez a reclamação, mas passados uns anos fizemos. Fomos a tribunal e o assunto ficou concluído porque a Adico fez prova
que, realmente, muitos anos antes desse registo já a Adico produzia a Cadeira Portuguesa. Costumamos denominá-la assim, mas nos nossos catálogos internos dos anos 30 chamavam-lhe 5008.
O esclarecimento que me presta dar é esse. O assunto ficou esclarecido. Saiu uma sentença do Tribunal da Relação de Lisboa e a paternidade da Cadeira ficou corrigida, no que diz respeito à pessoa e ao tempo.
O que mudou nestes 100 anos?
Eu diria que mudou sobretudo a forma de pensar e de preparar os próximos 100 anos. Em 1920, quando se fundou a Adico, a forma de trabalhar e de projetar a empresa tinha alicerces completamente diferentes. Hoje estamos equipados com ferramentas muito mais capazes, num mundo cada vez mais competitivo. Estamos a desenhar o futuro e os próximos 100 anos.